terça-feira, 21 de setembro de 2010

Você ja assediou alguém hoje?

Antigamente não existia esse negócio de assédio sexual. Quer dizer, existir, existia, mas não dava rolo.
O rolo rorloOoO   era coisa da sociedade americana do norte, com suas influências bretãs e irlandesas.
Foi lá que as mulheres começaram a votar e a reclamar seus direitos. Com toda a justiça.
Veja o caso do Mike Tyson, por exemplo. Pegou três anos de cana porque uma moça subiu ao quarto dele, às duas e meia da manhã. O que achava que o Tyson queria com ela? Jogar buraco? Eu não entraria no quarto daquele crioulo nem de dia. Deu no que deu. A mocinha inocente disse que viu a coisa preta e pôs a boca no, digamos, mundo e todos sabem o que aconteceu.
Se fosse o Maguila não seria preso. Isso naquele tempo. Porque agora, com essa nova mania de querermos ser primeiro mundo, a moda pegou de vez aqui no Brasil. Cuidado homens. Uni-vos. Tudo agora está sendo considerado assédio sexual. Melhor nem sair mais de casa.
Os jornais não falam noutra coisa. Dentro em breve todos os grandes jornais, ao lado dos cadernos de política, economia, esportes, vão ter o seu caderno ASSÉDIO.
O caso do Wanderley Luxemburgo, por exemplo. Parece-me que era a pedicure que estava pegando no pé dele. Ele fazia as unhas do pé. Um homem que faz as unhas do pé não me parece tão ofensivo assim. Mas não foi o que a moça disse por aí. É provável que ali, num quarto de hotel o técnico bastante ofensivo tenha dado uma cantada na menina. Você viu a foto dela no jornal?
Então, que fique claro que, agora, dar uma cantada chama-se assédio sexual e pode dar cana.
Aí surgiu no sábado outra menina, esta menor, dizendo que o mesmo craque havia dada uma cantada nela. E quer justiça.
Eu fico pensando onde é que isso vai parar. Se parar, é claro.
Os juízes brasileiros precisam fazer logo um concílio para definir as novas regras do jogo. O que pode e o que não pode. Uma espécie de catálogo para ajudar nós homens e proteger as mulheres.
Por exemplo: piscar. Piscar pode? Pode ser que possa, mas se piscar e puser a linguinha para fora, tá ferrado.
Tirar para dançar e dançar de rosto colado? Rosto colado pode ser que não seja crime, mas colar a parte de baixo, será baixaria.
Colocar um cigarro na boca e pedir fogo para a mulher. Pode ser mal interpretado. Muito cuidado. Não vá pondo a mão no fogo por qualquer uma.
Mandar flores pode. Mas cuidado, muito cuidado, com o que você vai escrever no cartãozinho. Um cartãozinho pode lhe valer um cartão vermelho e alguns anos de prisão.
Na praia, oferecer um sorvete para ela chupar. Aí depende de como você vai sorrir ao usar a palavra chupar. Principalmente se o sorvete for de pauzinho. E não use, nunca, a palavra lambidinha.
Ao comprar camisinha de uma moça, na farmácia, deixe bem claro que você está perguntando se ela tem camisinha é para vender. Ela pode interpretar mal.
Encostar o joelho na passageira do lado. Pelo amor de Deus, nunca mais faça isso. Além da bolsada, um processo imenso.
Claro que eu não preciso dizer aqui que aquela história de convidar a dengosa para ver a coleção de borboletas é coisa do século passado. Pior ainda é você pedir para ver a borboleta dela.
Se formos pensar bem, pedir em casamento é o maior dos assédios sexuais. Porque fica claro, definitivamente, as suas intenções sexuais com a mocinha. Convém, como antigamente, mandar o pai da gente fazer o serviço.
E não saia por dizendo, a torto e a direito, para nenhuma mulher, que ela é linda. Mesmo que ela seja horrorosa como algumas dessas ingratas que estão reclamando na Justiça.
E você, minha amiga leitora, não me venha chamar de machista que isso sim, pra mim, que é assédio sexual.
Como diria o mestre Aurléio, assédio é um "cerco posto a um reduto para tomá-lo". Precisamos saber, agora, o que é um reduto.
Voltemos ao Aurélio. Reduto: "recinto construído no interior de fortaleza para aumentar a resistência desta".
"Ficamos" assim, como dizem os jovens. Que "ficam" e ninguém reclama.

Mário Prata.

sexta-feira, 10 de setembro de 2010

O Homem Nu

Fernando Sabino

Ao acordar, disse para a mulher:
— Escuta, minha filha: hoje é dia de pagar a prestação da televisão, vem aí o sujeito com a conta, na certa.  Mas acontece que ontem eu não trouxe dinheiro da cidade, estou a nenhum.
— Explique isso ao homem — ponderou a mulher.
— Não gosto dessas coisas. Dá um ar de vigarice, gosto de cumprir rigorosamente as minhas obrigações. Escuta: quando ele vier a gente fica quieto aqui dentro, não faz barulho, para ele pensar que não tem ninguém.   Deixa ele bater até cansar — amanhã eu pago.
Pouco depois, tendo despido o pijama, dirigiu-se ao banheiro para tomar um banho, mas a mulher já se trancara lá dentro. Enquanto esperava, resolveu fazer um café. Pôs a água a ferver e abriu a porta de serviço para apanhar o pão.  Como estivesse completamente nu, olhou com cautela para um lado e para outro antes de arriscar-se a dar dois passos até o embrulhinho deixado pelo padeiro sobre o mármore do parapeito. Ainda era muito cedo, não poderia aparecer ninguém. Mal seus dedos, porém, tocavam o pão, a porta atrás de si fechou-se com estrondo, impulsionada pelo vento.
Aterrorizado, precipitou-se até a campainha e, depois de tocá-la, ficou à espera, olhando ansiosamente ao redor. Ouviu lá dentro o ruído da água do chuveiro interromper-se de súbito, mas ninguém veio abrir. Na certa a mulher pensava que já era o sujeito da televisão. Bateu com o nó dos dedos:
— Maria! Abre aí, Maria. Sou eu — chamou, em voz baixa.
Quanto mais batia, mais silêncio fazia lá dentro.
Enquanto isso, ouvia lá embaixo a porta do elevador fechar-se, viu o ponteiro subir lentamente os andares...  Desta vez, era o homem da televisão!
Não era. Refugiado no lanço da escada entre os andares, esperou que o elevador passasse, e voltou para a porta de seu apartamento, sempre a segurar nas mãos nervosas o embrulho de pão:
— Maria, por favor! Sou eu!
Desta vez não teve tempo de insistir: ouviu passos na escada, lentos, regulares, vindos lá de baixo... Tomado de pânico, olhou ao redor, fazendo uma pirueta, e assim despido, embrulho na mão, parecia executar um ballet grotesco e mal ensaiado. Os passos na escada se aproximavam, e ele sem onde se esconder. Correu para o elevador, apertou o botão. Foi o tempo de abrir a porta e entrar, e a empregada passava, vagarosa, encetando a subida de mais um lanço de escada. Ele respirou aliviado, enxugando o suor da testa com o embrulho do pão.
Mas eis que a porta interna do elevador se fecha e ele começa a descer.
— Ah, isso é que não!  — fez o homem nu, sobressaltado.
E agora? Alguém lá embaixo abriria a porta do elevador e daria com ele ali, em pêlo, podia mesmo ser algum vizinho conhecido... Percebeu, desorientado, que estava sendo levado cada vez para mais longe de seu apartamento, começava a viver um verdadeiro pesadelo de Kafka, instaurava-se naquele momento o mais autêntico e desvairado Regime do Terror!
— Isso é que não — repetiu, furioso.
Agarrou-se à porta do elevador e abriu-a com força entre os andares, obrigando-o a parar.  Respirou fundo, fechando os olhos, para ter a momentânea ilusão de que sonhava. Depois experimentou apertar o botão do seu andar. Lá embaixo continuavam a chamar o elevador.  Antes de mais nada: "Emergência: parar". Muito bem. E agora? Iria subir ou descer?  Com cautela desligou a parada de emergência, largou a porta, enquanto insistia em fazer o elevador subir. O elevador subiu.
— Maria! Abre esta porta! — gritava, desta vez esmurrando a porta, já sem nenhuma cautela. Ouviu que outra porta se abria atrás de si.
Voltou-se, acuado, apoiando o traseiro no batente e tentando inutilmente cobrir-se com o embrulho de pão. Era a velha do apartamento vizinho:
— Bom dia, minha senhora — disse ele, confuso.  — Imagine que eu...
A velha, estarrecida, atirou os braços para cima, soltou um grito:
— Valha-me Deus! O padeiro está nu!
E correu ao telefone para chamar a radiopatrulha:
— Tem um homem pelado aqui na porta!
Outros vizinhos, ouvindo a gritaria, vieram ver o que se passava:
— É um tarado!
— Olha, que horror!
— Não olha não! Já pra dentro, minha filha!
Maria, a esposa do infeliz, abriu finalmente a porta para ver o que era. Ele entrou como um foguete e vestiu-se precipitadamente, sem nem se lembrar do banho. Poucos minutos depois, restabelecida a calma lá fora, bateram na porta.
— Deve ser a polícia — disse ele, ainda ofegante, indo abrir.
Não era: era o cobrador da televisão.

quinta-feira, 9 de setembro de 2010

Casal é tudo igual

Ele: – Alô?
Ela: – Pronto.
Ele: – Voz estranha… Gripada?
Ela: – Faringite.
Ele: – Deve ser o sereno. No mínimo tá saindo todas as noites pra badalar.
Ela: – E se estivesse? Algum problema?
Ele: – Não, imagina! Agora, você é uma mulher livre.
Ela: – E você? Sua voz também está diferente. Faringite?
Ele: – Constipado.
Ela: – Constipado? Você nunca usou esta palavra na vida.
Ele: – A gente aprende.
Ela: – Tá vendo? A separação serviu para alguma coisa.
Ele: – Viver sozinho é bom. A gente cresce.
Ela: – Você sempre viveu sozinho. Até quando casado só fez o que quis.
Ele: – Maldade sua, pois deixei de lado várias coisas quando a gente se casou.
Ela: – Evidente! Só faltava você continuar rebolando nas discotecas com as amigas.
Ele: – Já você não abriu mão de nada. Não deixou de ver novela, passear no shopping, comprar jóias, conversar ao telefone com as amigas durante horas…
… Silêncio ….
Ela: – Comprar jóias? De onde você tirou essa idéia? A única coisa que comprei em quinze anos de casamento foi um par de brincos.
Ele: – Quinze anos? Pensei que fosse bem menos.
Ela: – A memória dos homens é um caso de polícia!

Ele: – Mas conversar com as amigas no telefone…
Ela: – Solidão, meu caro, cansaço… Trabalhar fora, cuidar das crianças e ainda preparar o jantar para o HERÓI que chega � noite…Convenhamos, não chega a ser uma roda-gigante de emoções…
Ele: – Você nunca reclamou disso.
Ela: – E você me perguntou alguma vez?
Ele: – Lá vem você de novo… As poucas coisas que eu achava que estavam certas… Isso também era errado!?
Ela – Evidente, a gente não conversava nunca…
Ele: – Faltou diálogo, é isso? Na hora, ninguém fala nada. Aparece um impasse e as mulheres não reclamam. Depois, dizem que faltou diálogo. As mulheres são de Marte.
Ela: – E vocês são de Saturno!
…Silêncio…
Ele: – E aí, como vai a vida?
Ela: – Nunca estive tão bem. Livre para pensar, ninguém pra me dizer o que devo fazer…
Ele: – E isso é bom?
Ela: – Pense o que quiser, mas quinze anos de jornada são de enlouquecer qualquer uma.
Ele: – Eu nunca fui autor itário!
Ela: – Também nunca foi compreensivo!
Ele: – Jamais dei a entender que era perfeito. Tenho minhas limitações como qualquer mortal..
Ela: – Limitado e omisso como qualquer mortal.
Ele: – Você nunca foi irônica.
Ela: – Isso a gente aprende também.
Ele: – Eu sempre te apoiei.
Ela: – Lógico. Se não me engano foi no segundo mês de casamento que você lavou a única louça da tua vida. Um apoio inestimável…Sinceramente, eu não sei o que faria sem você. Ou você acha que fazer vinte caipirinhas numa tarde para um bando de marmanjos que assistem ao jogo da Copa do Mundo era realmente o meu grande objetivo na vida?
Ele: – Do que você está falando?
Ela: – Ah, não lembra?
Ele: – Ana, eu detesto futebol.
Ela: – Ana!? Esqueceu meu nome também? Alexandre, você ficou louco?
Ele: – Alexandre? Meu nome é Ronaldo!
…Silêncio…
Ele: – De onde está falando?
Ela: – 578 9922
Ele: – Não é o 579 9222?
Ela: – Não.
Ele: – Ah, desculpe, foi engano.
Depois de um tempo ambos caem na gargalhada.
Ele: Quer dizer que você faz uma ótima caipirinha, hein?
Ela: – Modéstia � parte… Mas não gosto, prefiro vinho tinto.
Ele: – Mesmo? Vinho é a minha bebida preferida!
Ela: – E detesta futebol?
Ele: – Deus me livre… 22 caras correndo atrás de uma bola… Acho ridículo!
Ela: – Bem, você me dá licença, mas eu vou preparar o jantar.
Ele: – Que pena… O meu já está pronto. Risoto, minha especialidade!
Ela: – Mentira! É o meu prato predileto…
Ele: – Mesmo! Bem, a porção dá pra dois, e estou abrindo um Chianti também.Você não gostaria de…
Ela: – Adoraria!
….Ele dá o endereço.
Ela: – Nossa, tão pertinho! São dois quarteirões daqui.
Ele: – Então? É pegar ou largar.
Ela: – Tô passando aí, Ronaldo.
Ele: – Combinado, vizinha.