— Vou descendo — anunciou a mulher, impaciente.
— Escuta — disse ele forçando o tom de brincadeira. — Como é que se dá mesmo nó em gravata?
— Engraçadinho — e a mulher saiu sem olhá-lo.
Quanto tempo durou aquela hesitação? Essa coisa familiar, corriqueira, cotidiana — dar o nó na gravata. Uns poucos segundos, um minuto, dois minutos ou mais? O tempo da ansiedade, não o do relógio. Não fazia calor, e nas costas das suas mãos começou a porejar um suor incômodo. Assim como surgiu, na mesma vertigem, passou: logo suas mãos inconscientes se organizaram e, independentes, sem comando, ataram a gravata e o puseram em condições de, irrepreensivelmente vestido, sair de casa. Ia a um jantar.
Estimulado pelo uísque, desejoso de atrair a atenção dos circunstantes, ocorreu-lhe, no meio da conversa, contar o pequeno incidente pitoresco:
— Agora mesmo, em casa. Ao me vestir. Esqueci como é que se dá o nó da gravata.
E antes que despertasse qualquer curiosidade, uma chave se torceu dentro dele. O fato insignificante deixou de ser engraçado. Uma aflição mordeu-o no íntimo. Como uma luz que se apaga. Uma advertência. Um sinal que anuncia, que espreita e ameaça.
— Essa é boa — curioso ou simplesmente gentil, um dos ouvintes procurou estimulá-lo.
Mas o ter esquecido como se dá o nó da gravata já não era apenas um incidente pitoresco. Disfarçou o próprio desconforto e, grave, interditado, sentiu a língua travada, como se esquecer como é que se ata a gravata fosse logicamente sucedido da incapacidade de contar.
Apenas um lapso, que pode acontecer com qualquer um. Tolice sem importância. E nem se lembrou mais, até que dias depois, achando graça, a mulher tirou-o da dificuldade: atou por ele a gravata desfeita na sua mão. Uma terceira vez ocorreu dois dias depois. "Estou ficando gagá", pensou, entre divertido e irritado. Retirou-se do espelho e procurou com calma recuperar a inocência perdida. Pois era como ter perdido a inocência, de súbito autoconsciente.
Mas logo esqueceu e saiu para a rua, como todo dia. Pegou o carro e, autômato, foi até o edifício do escritório. Estava na fila do elevador, quando deu acordo de si. Era o terceiro da fila. Bem disposto, recém-banhado, cheirando à nova loção de barba, o estômago nutrido pelo recente café da manhã, olhava com magnanimidade o dia que o esperava, o mundo em torno. Pulsava nas suas veias sãs uma suculenta harmonia. Presente tranqüilo, futuro próspero. Confiava em si, confiava na vida.
Só o elevador demorava mais do que de costume, pequeno borrão na manhã alegre e amiga. Não fazia sentido aquela demora que, de repente, perturbou-o como um cisco no olho. Agarrado à pasta como se temesse perdê-la, verificou que o elevador continuava parado no sétimo andar, exatamente o do seu escritório. Queria não pensar em nada, apenas esperar como todo mundo, mas via com nitidez, como se estivesse de corpo presente no sétimo andar, um contínuo fardado a segurar a porta do elevador que se abria e se fechava por meio de uma célula fotoelétrica. Dois homens tentavam a custo enfiar dentro do carro uma mesa de escritório. Era a sua mesa, mas muito maior. Seus papéis pessoais, sua caneta, as gavetas devassadas.
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